Jomah Rabah*
Hoje
vemos, uma vez mais, turbulências ditas “econômicas”, que afetam – ou afetariam
– as capacidades dos países e de suas instituições financeiras no que diz
respeito ao financiamento da economia etc. Os bancos farão – já o fazem na
verdade, em parte publicamente e no todo nos bastidores, especialmente do
Judiciário – disto um dado a mais com vistas ao convencimento do judiciário e
das autoridades econômicas e monetárias daquilo que apresentam como “risco” à
sua atividade. Em bom português, vão fazer disto um elemento a mais em sua já
conhecida tese de que irão “quebrar” se pagarem a conta aos poupadores que
sofreram expurgos em seus saldos quando das edições dos chamados planos Bresser
(junho de 1987), Verão (janeiro de 1989), Collor 1 (editado em março mas com
diferenças requeridas para abril e maio de 1990) e Collor 2 (fevereiro de
1991), promovidos ilegalmente pelos bancos, posto que ultrapassaram os limites
legais que os instituíram, retroagindo e aplicando as novas regras a relações
contratuais passadas.
Imagino
que não se faz necessário afirmar o que salta aos olhos: que os bancos nunca
lucraram tanto. Neste particular importante citar que apenas um dos bancos brasileiros,
o Itaú, maior instituição financeira do hemisfério sul do planeta, lucrou, no último
ano, mais de R$ 16 bilhões. Trata-se de lucro líquido. Frente somente a isto
temos que não falta saúde financeira aos bancos brasileiros para saldar com
seus débitos frente aos poupadores, estes de mais de 20 anos, tempo em que, aliás,
os recursos permaneceram em seus cofres e lhes permitiram lucrar ao redor de 7
vezes mais do que terão que ressarcir hoje, considerando a correção destes
ativos a serem restituídos pela poupança.
Que
os bancos se apropriaram ilegalmente de recursos dos poupadores não restam
duvidas, inclusive no Judiciário, que tem firmado entendimento no sentido de
determinar os IPCs reclamados como devidos. O que talvez falte neste debate diz
respeito ao quanto se tomou dos poupadores e que jamais será restituído.
Exatamente disto que se trata quando se analisa o chamado Plano Collor 1, que pela
primeira vez em nossa história registrou confisco de poupança popular. Quanto a
este Plano, infelizmente, apesar de tudo quanto atentou contra o Estado
Democrático de Direito, o STF decidiu pela sua constitucionalidade, não sem,
entretanto, dar ganho aos poupadores em parte de seu reclamo, qual seja, os
IPCs de abril e maio de 1990, de 44,80% e 7,87% respectivamente. Entretanto, o
ganho é apenas parcial.
Em
virtude disto – Plano Collor 1 –, no que tange aos expurgos e à conta final
cabível aos bancos pagarem, há dado gritante, um misto de armadilha e grande
golpe dado contra os poupadores, que não pode deixar de ser analisado. Este
golpe foi dado em uma parte considerável de cadernetas de poupança e diz
respeito, mais contundentemente, ao grande IPC de março, que deveria ter sido
creditado sobre os saldos havidos em abril de 1990.
Este
IPC foi de astronômicos 84,32%. Como o Plano Collor 1 foi “dividido” em dois
atos – bloqueio e posteriormente a transferência –, as coisas se deram conforme
se narrará.
Primeiro,
em 16 de março de 1990, foi editada a MP 168, que determinou, em primeiro
lugar, o bloqueio de todos os saldos, isto é, impediu que fossem sacados,
transferidos etc. Somente depois, no mês seguinte, após as respectivas datas de
creditação (aniversário), é que os saldos seriam transferidos ao BACEN.
Para
entendermos melhor como se deu este grande golpe, do qual se beneficiaram única
e exclusivamente os bancos, necessário compreender, antes de tudo, como se deu
a medição deste IPC, qual seja, em que intervalo de tempo ele fora apurado.
A
inflação era – e ainda é – apurada num intervalo de 30 dias, sempre de 16 a 15, anunciada ao final do
período de medição com vistas à creditação no mês subsequente àquele no qual a
medição fora anunciada. Assim, concretamente falando, temos que o IPC de março
de 1990 é resultado da coleta de preços promovida de 15 de fevereiro a 16 de
março de 1990, com vistas às creditações sobre os saldos das poupanças no
subsequente mês de abril de 1990.
Vendo
as coisas assim, tal qual de fato ocorreram, temos um primeiro dado,
insofismável, de que os bancos ficaram de posse do dinheiro dos poupadores por
30 dias, no intervalo de 15 de fevereiro a 16 de março, estando obrigados a
creditar a inflação apurada no período no subsequente mês de abril, sobre os
saldos existentes nas contas de poupança. Temos, portanto, que os bancos trabalharam
com este dinheiro, auferindo lucros com ele, durante no mínimo 45 dias e no
máximo 75 dias antes de estarem obrigados, por lei e por contrato, a promoverem
a creditação deste fabuloso IPC de 84,32%.
E
por que de 45 a
75 dias? É que, primeiro de tudo, tendo sido a medição de preços iniciada em 16
de fevereiro, concluída em 15 de março e a primeira creditação, em 01 de abril,
lá se passaram, entre 15 de fevereiro e 01 de abril, 45 dias. Logo, os bancos
creditaram em 01 de abril a inflação apurada entre 16 de fevereiro e 15 de
março, 45 dias depois de iniciada a medição. Como as creditações se dão de 01 a
30, a
última creditação só se deu em 30 de abril, 75 dias depois de iniciada a coleta
que apurou o IPC de 84,32%.
Entendida
esta dinâmica, fica mais fácil falar a respeito do golpe. Se os bancos ficaram
com todo o dinheiro desde 15 de fevereiro até 16 de março, intervalo de medição
do IPC de 84,32%, por óbvio que foram unicamente eles que lucraram com este
dinheiro e, mais, toda a inflação fora apurada enquanto estando eles em poder
do mesmo. Logo, o IPC de 84,32% deveria ser creditado a todas as cadernetas de
poupança, sobre a totalidade dos seus saldos, pelos bancos. Mas não foi isso o
que ocorreu, graças a um grande crime cometido contra a economia popular e
contra o erário.
É
que o BACEN, por meio do Comunicado 2067, de 30/03/1990 – a data posterior à
edição da MP 168 faz levantarem-se suspeitas de entendimento entre Governo e
bancos a respeito –, determinou que os bancos estariam obrigados à creditação
do IPC de março de 1990 sobre a integralidade do saldo somente às cadernetas de
poupança cujos aniversários estivessem inscritos no intervalo de 01 a
16 (de abril, quando se daria a creditação). Nas demais, somente sobre o valor
não transferido ao BACEN, qual seja, em regra limitado ao teto de 50.000,00. Só
nesta manobra os bancos se livraram da creditação de 84,32% sobre uma pequena
fortuna, talvez metade de todo o montante depositado em poupança neste mês.
E
o golpe acabou sendo duplo, pois lesou o erário, visto que coube à União
remunerar estes saldos transferidos ao BACEN, porém não no percentual de
84,32%, mas de 41,28% (BTN), mesmo jamais tendo ficado em seu poder no
intervalo de medição desta monstruosa inflação. Em bom português, os poupadores
foram lesados pelos bancos e, ao mesmo tempo, toda a sociedade, os poupadores
incluídos, pagaram, por meio do erário (dinheiro público da União), a
creditação sobre os saldos transferidos ao BACEN. Não é necessário ser muito
inteligente para perceber que nesta manobra os bancos ficaram mais ricos, os
poupadores mais pobres e o Estado – leia-se toda a sociedade, aí incluídos os
poupadores – grotescamente lesado. Nítida transferência direta de renda do
cidadão comum ao capital financeiro, do bem público a entes privados e nítida
destruição do Estado e de sua capacidade de promotor de políticas públicas e
indutor dos desenvolvimentos econômico e social.
Note-se
que os poupadores cuja remuneração coube à União/BACEN acabaram sendo
gravemente lesados neste segundo momento, qual seja, o da transferência, visto
que acabaram recebendo correção monetária com base no BTNF, de 41,28%, menos da
metade do IPC de 84,32%.
O
golpe é ainda maior se tivermos em conta que o próprio IPC de abril, cuja
creditação deveria se dar em maio de 1990, fora medido de 16 de março a 15 de
abril, com vistas a ser creditado no intervalo de 01 a
30 de maio. Ou seja: este IPC também foi medido enquanto a integralidade dos
depósitos estiveram de posse dos bancos, bloqueados aos poupadores, mas ainda
não transferidos ao BACEN, permitindo-lhes (aos bancos) “girar” este dinheiro.
Rigorosamente falando, portanto, os bancos não só deveriam o IPC de 44,80% (IPC
de abril) tal qual se pede hoje em dia, qual seja, sobre os saldos não
transferidos, mas sobre a totalidade dos saldos e, simplesmente falando, porque
ficaram com este dinheiro neste período.
Mas
o que de fato ocorreu? Não creditaram um único centavo relativo ao IPC de
44,80%, seja sobre o montante armazenado antes da transferência ao BACEN, seja
sobre os saldos que permaneceram na conta de livre movimentação. É claro que
neste caso o golpe nos poupadores fora dado, também, pela União, já que não
houve creditação referente à inflação sobre os saldos transferidos ao BACEN.
Neste caso houve apenas transferência de renda da sociedade (poupadores) para o
setor financeiro.
Percebendo
isto tudo, é possível afirmar, com razoável segurança, que este deve ter sido o
maior golpe já dado na economia popular e contra o Estado, aí lendo-se o
dinheiro público de todos nós. Os bancos, pode-se dizer, se locupletaram
ilicitamente do povo brasileiro. Pior: a despeito disso, se apresentam como as
vítimas do Plano e se recusam a pagar uma minúscula parte do que amealharam ilicitamente
dos poupadores, já que o que se pede e vem sendo concedido pelo Judiciário são
apenas os IPCs de 44,80% e 7,87% sobre, exclusivamente, o saldo que permaneceu
em poder dos mesmos na conta de livre movimentação, na maioria dos casos
limitado a NCz$ 50 mil, quando o poupador tinha soma superior a esta, ou
inferior a esta importância para todos os demais casos de poupadores cujos
saldos nem mesmo atingiam, na época, o teto de NCz$ 50 mil, estes, aliás,
possivelmente majoritários.
Quando,
portanto, os bancos choram as suas “desgraças” à luz destes Planos, vertem
falsas lágrimas, em homenagem e confirmação às mais vetustas imagens que o
imaginário popular tem da figura do agiota, verdadeiro “bicho barbeiro”, a
viver do sangue do seu cliente.
*Jomah Rabah é advogado em Toledo-PR,
professor da faculdade
de direito da UNIPAR, mestre em
direito processual civil pela
UNIPAR e mestrando em filosofia pela
UNIOESTE.
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