quinta-feira, 15 de novembro de 2012

PLANO COLLOR 1: COMO OS BANCOS SE ENRIQUECERAM ÀS CUSTAS DO POVO BRASILEIRO


Jomah Rabah*
Hoje vemos, uma vez mais, turbulências ditas “econômicas”, que afetam – ou afetariam – as capacidades dos países e de suas instituições financeiras no que diz respeito ao financiamento da economia etc. Os bancos farão – já o fazem na verdade, em parte publicamente e no todo nos bastidores, especialmente do Judiciário – disto um dado a mais com vistas ao convencimento do judiciário e das autoridades econômicas e monetárias daquilo que apresentam como “risco” à sua atividade. Em bom português, vão fazer disto um elemento a mais em sua já conhecida tese de que irão “quebrar” se pagarem a conta aos poupadores que sofreram expurgos em seus saldos quando das edições dos chamados planos Bresser (junho de 1987), Verão (janeiro de 1989), Collor 1 (editado em março mas com diferenças requeridas para abril e maio de 1990) e Collor 2 (fevereiro de 1991), promovidos ilegalmente pelos bancos, posto que ultrapassaram os limites legais que os instituíram, retroagindo e aplicando as novas regras a relações contratuais passadas.

Imagino que não se faz necessário afirmar o que salta aos olhos: que os bancos nunca lucraram tanto. Neste particular importante citar que apenas um dos bancos brasileiros, o Itaú, maior instituição financeira do hemisfério sul do planeta, lucrou, no último ano, mais de R$ 16 bilhões. Trata-se de lucro líquido. Frente somente a isto temos que não falta saúde financeira aos bancos brasileiros para saldar com seus débitos frente aos poupadores, estes de mais de 20 anos, tempo em que, aliás, os recursos permaneceram em seus cofres e lhes permitiram lucrar ao redor de 7 vezes mais do que terão que ressarcir hoje, considerando a correção destes ativos a serem restituídos pela poupança.

Que os bancos se apropriaram ilegalmente de recursos dos poupadores não restam duvidas, inclusive no Judiciário, que tem firmado entendimento no sentido de determinar os IPCs reclamados como devidos. O que talvez falte neste debate diz respeito ao quanto se tomou dos poupadores e que jamais será restituído. Exatamente disto que se trata quando se analisa o chamado Plano Collor 1, que pela primeira vez em nossa história registrou confisco de poupança popular. Quanto a este Plano, infelizmente, apesar de tudo quanto atentou contra o Estado Democrático de Direito, o STF decidiu pela sua constitucionalidade, não sem, entretanto, dar ganho aos poupadores em parte de seu reclamo, qual seja, os IPCs de abril e maio de 1990, de 44,80% e 7,87% respectivamente. Entretanto, o ganho é apenas parcial.

Em virtude disto – Plano Collor 1 –, no que tange aos expurgos e à conta final cabível aos bancos pagarem, há dado gritante, um misto de armadilha e grande golpe dado contra os poupadores, que não pode deixar de ser analisado. Este golpe foi dado em uma parte considerável de cadernetas de poupança e diz respeito, mais contundentemente, ao grande IPC de março, que deveria ter sido creditado sobre os saldos havidos em abril de 1990.

Este IPC foi de astronômicos 84,32%. Como o Plano Collor 1 foi “dividido” em dois atos – bloqueio e posteriormente a transferência –, as coisas se deram conforme se narrará.

Primeiro, em 16 de março de 1990, foi editada a MP 168, que determinou, em primeiro lugar, o bloqueio de todos os saldos, isto é, impediu que fossem sacados, transferidos etc. Somente depois, no mês seguinte, após as respectivas datas de creditação (aniversário), é que os saldos seriam transferidos ao BACEN.

Para entendermos melhor como se deu este grande golpe, do qual se beneficiaram única e exclusivamente os bancos, necessário compreender, antes de tudo, como se deu a medição deste IPC, qual seja, em que intervalo de tempo ele fora apurado.

A inflação era – e ainda é – apurada num intervalo de 30 dias, sempre de 16 a 15, anunciada ao final do período de medição com vistas à creditação no mês subsequente àquele no qual a medição fora anunciada. Assim, concretamente falando, temos que o IPC de março de 1990 é resultado da coleta de preços promovida de 15 de fevereiro a 16 de março de 1990, com vistas às creditações sobre os saldos das poupanças no subsequente mês de abril de 1990.

Vendo as coisas assim, tal qual de fato ocorreram, temos um primeiro dado, insofismável, de que os bancos ficaram de posse do dinheiro dos poupadores por 30 dias, no intervalo de 15 de fevereiro a 16 de março, estando obrigados a creditar a inflação apurada no período no subsequente mês de abril, sobre os saldos existentes nas contas de poupança. Temos, portanto, que os bancos trabalharam com este dinheiro, auferindo lucros com ele, durante no mínimo 45 dias e no máximo 75 dias antes de estarem obrigados, por lei e por contrato, a promoverem a creditação deste fabuloso IPC de 84,32%.

E por que de 45 a 75 dias? É que, primeiro de tudo, tendo sido a medição de preços iniciada em 16 de fevereiro, concluída em 15 de março e a primeira creditação, em 01 de abril, lá se passaram, entre 15 de fevereiro e 01 de abril, 45 dias. Logo, os bancos creditaram em 01 de abril a inflação apurada entre 16 de fevereiro e 15 de março, 45 dias depois de iniciada a medição. Como as creditações se dão de 01 a 30, a última creditação só se deu em 30 de abril, 75 dias depois de iniciada a coleta que apurou o IPC de 84,32%.

Entendida esta dinâmica, fica mais fácil falar a respeito do golpe. Se os bancos ficaram com todo o dinheiro desde 15 de fevereiro até 16 de março, intervalo de medição do IPC de 84,32%, por óbvio que foram unicamente eles que lucraram com este dinheiro e, mais, toda a inflação fora apurada enquanto estando eles em poder do mesmo. Logo, o IPC de 84,32% deveria ser creditado a todas as cadernetas de poupança, sobre a totalidade dos seus saldos, pelos bancos. Mas não foi isso o que ocorreu, graças a um grande crime cometido contra a economia popular e contra o erário.

É que o BACEN, por meio do Comunicado 2067, de 30/03/1990 – a data posterior à edição da MP 168 faz levantarem-se suspeitas de entendimento entre Governo e bancos a respeito –, determinou que os bancos estariam obrigados à creditação do IPC de março de 1990 sobre a integralidade do saldo somente às cadernetas de poupança cujos aniversários estivessem inscritos no intervalo de 01 a 16 (de abril, quando se daria a creditação). Nas demais, somente sobre o valor não transferido ao BACEN, qual seja, em regra limitado ao teto de 50.000,00. Só nesta manobra os bancos se livraram da creditação de 84,32% sobre uma pequena fortuna, talvez metade de todo o montante depositado em poupança neste mês.

E o golpe acabou sendo duplo, pois lesou o erário, visto que coube à União remunerar estes saldos transferidos ao BACEN, porém não no percentual de 84,32%, mas de 41,28% (BTN), mesmo jamais tendo ficado em seu poder no intervalo de medição desta monstruosa inflação. Em bom português, os poupadores foram lesados pelos bancos e, ao mesmo tempo, toda a sociedade, os poupadores incluídos, pagaram, por meio do erário (dinheiro público da União), a creditação sobre os saldos transferidos ao BACEN. Não é necessário ser muito inteligente para perceber que nesta manobra os bancos ficaram mais ricos, os poupadores mais pobres e o Estado – leia-se toda a sociedade, aí incluídos os poupadores – grotescamente lesado. Nítida transferência direta de renda do cidadão comum ao capital financeiro, do bem público a entes privados e nítida destruição do Estado e de sua capacidade de promotor de políticas públicas e indutor dos desenvolvimentos econômico e social.

Note-se que os poupadores cuja remuneração coube à União/BACEN acabaram sendo gravemente lesados neste segundo momento, qual seja, o da transferência, visto que acabaram recebendo correção monetária com base no BTNF, de 41,28%, menos da metade do IPC de 84,32%.

O golpe é ainda maior se tivermos em conta que o próprio IPC de abril, cuja creditação deveria se dar em maio de 1990, fora medido de 16 de março a 15 de abril, com vistas a ser creditado no intervalo de 01 a 30 de maio. Ou seja: este IPC também foi medido enquanto a integralidade dos depósitos estiveram de posse dos bancos, bloqueados aos poupadores, mas ainda não transferidos ao BACEN, permitindo-lhes (aos bancos) “girar” este dinheiro. Rigorosamente falando, portanto, os bancos não só deveriam o IPC de 44,80% (IPC de abril) tal qual se pede hoje em dia, qual seja, sobre os saldos não transferidos, mas sobre a totalidade dos saldos e, simplesmente falando, porque ficaram com este dinheiro neste período.

Mas o que de fato ocorreu? Não creditaram um único centavo relativo ao IPC de 44,80%, seja sobre o montante armazenado antes da transferência ao BACEN, seja sobre os saldos que permaneceram na conta de livre movimentação. É claro que neste caso o golpe nos poupadores fora dado, também, pela União, já que não houve creditação referente à inflação sobre os saldos transferidos ao BACEN. Neste caso houve apenas transferência de renda da sociedade (poupadores) para o setor financeiro.

Percebendo isto tudo, é possível afirmar, com razoável segurança, que este deve ter sido o maior golpe já dado na economia popular e contra o Estado, aí lendo-se o dinheiro público de todos nós. Os bancos, pode-se dizer, se locupletaram ilicitamente do povo brasileiro. Pior: a despeito disso, se apresentam como as vítimas do Plano e se recusam a pagar uma minúscula parte do que amealharam ilicitamente dos poupadores, já que o que se pede e vem sendo concedido pelo Judiciário são apenas os IPCs de 44,80% e 7,87% sobre, exclusivamente, o saldo que permaneceu em poder dos mesmos na conta de livre movimentação, na maioria dos casos limitado a NCz$ 50 mil, quando o poupador tinha soma superior a esta, ou inferior a esta importância para todos os demais casos de poupadores cujos saldos nem mesmo atingiam, na época, o teto de NCz$ 50 mil, estes, aliás, possivelmente majoritários.

Quando, portanto, os bancos choram as suas “desgraças” à luz destes Planos, vertem falsas lágrimas, em homenagem e confirmação às mais vetustas imagens que o imaginário popular tem da figura do agiota, verdadeiro “bicho barbeiro”, a viver do sangue do seu cliente.

*Jomah Rabah é advogado em Toledo-PR, professor da faculdade
de direito da UNIPAR, mestre em direito processual civil pela
UNIPAR e mestrando em filosofia pela UNIOESTE.

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